quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Alice saíra a correr, com o coração aos saltos e o botão da saia azul quase a caír. A caixa de costura sobre a mesa e a disposição mental para as tarefas domésticas, onde se incluía coser botões, no nível menos que zero.

Até quando Rita conseguiria accionar o outro botão, que disparava o fogo no corpo e a ternura no coração? Pergunta que começava a deixar de fazer por estar exausta, apenas queria abandonar-se no cheiro dos cabelos da mulher que amava, abraçá-la e perder o fôlego.

“Isto é vício de veneno, sem remédio”.

As horas escoavam-se, e ficava a imagem dela até surgir um qualquer assunto que lhe desviasse o pensamento. Por pouco tempo, porque a seguir vinha um cheiro e uma imagem e uma desculpa qualquer para que a presença de Rita voltasse a ocupar todo o seu ser. A envenená-la, porque de facto nada avançava para além do físico e da imaginação do que poderia ser uma vida partilhada.

Alguma coisa empancava na porta que rangia na Casa do Tempo, e nunca a deixava fechar-se nem abrir completamente.

Os dias passavam; o sol não queimava a angústia de Alice, tampouco a chuva arrefecia o desejo, e o vento não mudava a direcção do seu querer.

“Que raio de meses, quase um ano nisto! Atendendo a que uma paixão dura em média dois anos, ainda tenho que penar!”

Ela no fundo sabia que queria estar doente, até sempre de preferência, porque quando um vício toma conta do teu corpo, os poucos momentos de lucidez não chegam para insistires na ideia de recuperar a tua (outra que será que vale a pena) VIDA.

"Que se foda, portanto", pensava ela, enquanto o botão desistia de estar seguro por uma ínfima linha azul, tão azul como o sonho que alimentava Alice.